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Cuando o sol se atrasa

2023

Cuando o sol se atrasa é uma coletânea de poesias partidas de um inverno doloroso e largo. 

Dois anos depois de chegar em Barcelona, o vento pareceu ficar cada vez mais gelado, ao passo que a realidade de muitos fatos también foi ficando mais dura e concreta. A migração perdeu seu ar de esperança e começou a mostrar os dentes num momento interno depressivo e turbulento. Borbulhando os anseios e sem poder sentir o sol na pele, me escondi no arquivo que hoje publico aqui. 


Essa coleção segue em desenvolvimento, acompanhando a passagem da primavera e a chegada do verão. Os poemas viajam entre meus verões e invernos internos, incluem muito do sol e do vento de Barcelona e sao atualizados nessa página periodicamente. 

fazer um bolo tem várias partes:
pode ser na mão ou na máquina
uma receita nova ou a que sempre funciona
eu posso mudar a cobertura ou deixar ele respirar

o tempo de forno. nunca é igual
parece que hoje esquentou mais
que o timer foi mais rápido
e o meu pessoal demorou pra acompanhar

tem uma ansiedade que eu adoro sentir:
a de pegar a forma com as mãos
de não ter paciência pra esperar
pedir ajuda pra uma faca
e confiar

a forma lambuzada de manteiga
o bolo saindo inteiro
sem quebrar depois de assar
e a satisfação que me dá olhar pra essa cena
que de tão gigantemente pequena
consegue me reeguer


êxtases culinários
pra além das cozinhas

aos pecadores
que se não alcançarem o céu
pelo menos viveram o paraíso em vida

cada vez que vou, me troco por dentro
me reescrevo, me reinvento
continuo sempre a mesma, mas tem alguns poréns
sobre esse ir e vir, que são sempre novos

cada ida é uma partida e, ainda que seja também sempre uma chegada
se eu me enrolo é porque demoro pra entender
o que de mim colocar na mala
entre moletom e camisetas, no fim é quase inconsciente
vou descobrindo o que levo quando preciso de um rezo
e raramente é suficiente, ainda que não falte nada

se eu hoje gosto mais de onde estou, me da medo admitir
porque posso deixar ir, assim tão fácil
o que sempre me foi tão caro

passagens
passagens
viagens
e bagagens
e eu continuo me surpreendendo com o tanto que nada nunca é igual,
inclusive eu mesma

o café esfria mais rápido do que eu
mas às vezes eu também sou rápida
fico entre outra greca e te beijar
e olho no relógio outra hora igual

me volta o calor
mas me calienta por pouco tempo
tudo volta a esfriar, eu volto a pensar
entre ir, ficar, esperar ou voltar
provavelmente só um boné pra esperar o verão

Eu acho que se confunde, o que é vago com o que é livre. Eu confundo. Acho que se tem medo de encarar o nada, e assim fazer do nada realidade. Talvez eu prefira inventar, não colocar nome, não por color. Ficar eu aqui, você aí, outra pessoa lá. Ignorando o espaço no meio, preenchendo esse vazio com devaneio, e sem nenhuma base, tentando criar uma ponte. Não sei o que se sustenta menos: eu ou a ponte.

acordo com uma disposição cansada
quero conquistar o mundo
quero me mover só até o sofá.
deve ser culpa do frio que chega, é difícil levantar.
me cansa ser disposta num clima tão hostil

estar em paz no desconforto

é que as escolhas que te trazem paz
dificilmente vão ser só isso.
existe um desconforto na tranquilidade
que pode ser o que te leva adiante
ou o que não te deixa sair

© 2021 por Marina D. Soncini.

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