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Questões migrantes: duelo migratório

  • Foto do escritor: Marina Soncini
    Marina Soncini
  • 22 de nov. de 2023
  • 4 min de leitura

Atualizado: 23 de nov. de 2023

Duelo migratório (luto migratório? não sei) é como se chama a elaboração da perda referente à migração. Basicamente (pra mim), é o processo de luto que se vive pelas coisas que uma pessoa deixa pra trás quando resolve mudar de país. Estou há 2 anos e pouco em Barcelona, e ontem, tomando um chai latte com uma amiga, percebi que as angústias que tenho sentido são exatamente isso: meu segundo duelo migratório.


Em resumo, eu já tinha quase aceitado que voltaria pro Brasil em janeiro. Mas em menos de dois meses tomei a decisão de ficar mais tempo na Espanha. Percebi que queria seguir a vida acadêmica, me inscrevi num programa de doutorado, me aceitaram e eu estava dentro mais rápido do que eu imaginava. E obviamente também mais rápido do que eu pude processar.


Eu tava com dificuldade de aceitar que voltaria pro Brasil, principalmente depois de ter passado um verão extremamente especial. O desejo de esticar a estadia se juntou com a possibilidade de um novo visto. E aí eu paguei a matrícula. Talvez de forma muito mais instintiva que racional. E sem perceber, eu transformei o tempo de estadia em um tempo de permanência.


E não vou ser hipócrita, eu fiquei muito feliz com o resultado. Tava na academia quando recebi o email e quis gritar de alegria (depois de traduzir o euskera). Foi como uma afirmação do caminho que eu quero seguir junto com um reforço e validação de algo que amo e que eu sou boa. Óbvio que eu fiquei e ainda to feliz. Mas tenho andado bem triste.


Porque depois de ter feito todo o trâmite, veio aquele óbvio não tão óbvio: a percepção de que me vinculei à Espanha por pelo menos mais 3 anos. E isso significa continuar numa distância bem grande do meu país de origem, por pelo menos mais 3 anos. E obviamente (outra vez), eu sei que eu to sendo tola fixando mais uma quantia de anos. Porque os prazos finais vão se apagando.


E ainda que eu achasse difícil voltar, um lado meu estava satisfeito com esse movimento. Voltar a ter minha cachorra do meu lado na cama, voltar a viver a infância da minha afilhada. E ter tomado outro rumo tão inesperadamente (até pra mim), me obriga a processar as novas-velhas perdas que essa decisão me traz. Me caiu a ficha dos nãos que eu to dando, das renúncias que antes eram temporárias.


To longe dos seres que mais amo. To perdendo muita coisa enquanto, com certeza, ganho mais um monte por aqui. Mas passado o ecstasy inicial, agora chega a dor de perceber que eu enviei por email uma confirmação de que vou seguir perdendo as festinhas de escola da Brisa. Que talvez eu não veja os últimos anos da Donni. Ou que não viva os últimos anos dos meus avós.


E colocando tudo na balança, hoje, especificamente uma sexta-feira que eu escrevo trabalhando, tenho dificuldade de ver os pesos e medidas. Dois anos se transformam em cinco, ou seis, e a vida acontece intensamente no cotidiano que se esconde atrás do calendário. Minha decisão agora me parece frágil, porque eu me sinto frágil.


Barcelona deixou de ser um tempo de mestrado e se tornou casa. Eu deixei de ser visitante e, mais do que nunca, agora me sinto imigrante. E migrar é viver as possibilidades pelas saudades. As possibilidades que você agarrou pelas saudades que você guarda. É manter gente viva por lembrança. Cultivar afeto a longa distância.


Tenho notado o peso de permanecer distante através da vontade de seguir adiante. É sim uma dor que me faz questionar. Porque eu sei, a gente sempre vai perder algo ou alguém. Mas além dos afetos, a migração também nos obriga a deixar pra trás partes nossas que não vivem do lado de cá. Que não encontram teto nos afetos daqui. Que queriam poder estar mesmo não estando. Estou me despedindo, outra vez, de mim mesma.


Pro meu país, prorroguei meu status de visita, de parente distante. Um presente extra quando consegue ir no natal. Eu já não conheço mais as piadas. Deixei de ser reconhecida pelo que eu era, e já não me (re)conheço naquela esfera. Entre lá e aqui se misturam e se perdem tantas Marinas, tantas Soncinis. Sinto falta de várias delas. Sinto o luto pelas que deixo na ilha. E o que sobra do ir e vir é uma imensidão de coisas pequenas.


Tem sido uma segunda partida, mas sem despedidas. Sem a excitação da aventura. Não teve abraço, nem um até logo. Eu já não sei quantos anos mais vão passar, apesar de saber que sim, vai voar. Talvez esse segundo duelo esteja sendo tão intenso pela falta desse prazo de validade. Um marco um pouco silencioso de um tempo novo, mas que já não é mais novidade. Já sei de cor meu código postal.


Tem tido gosto de um voto de confiança em mim mesma muito grande, e bem caro. E ainda que eu duvide, eu me apego ao sonho que eu venho sonhando de seguir caminhando na minha própria direção. Talvez eu faça umas curvas, ou volte umas casas. Sinceramente, não sei. Mas tenho uma família aqui também pra me apoiar. E isso me permite viver esse luto da forma que eu mais gosto de viver as dores: com força, música triste e a certeza de que vai passar.



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© 2021 por Marina D. Soncini.

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