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Bem-vinde a Barcelona

  • Foto do escritor: Marina Soncini
    Marina Soncini
  • 7 de fev. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 8 de fev. de 2024

Bem-vinde a Barcelona. A cidade tem barulho de skate. Por todos os lados. Pelo menos no centro. O calçamento é perfeito pra patinar. Algumas vezes, Barcelona também tem barulho de vidro quebrando. Isso quando passa a coleta da reciclagem e despeja o contêiner dos vidros direto no caminhão, e eu posso jurar que o barulho é quase ensurdecedor. Os golpes do vendedor de gás também só vi por aqui. 


Barcelona tem cheiro de xixi. Pelo menos no centro da cidade, de novo. Da diagonal para baixo, onde a classe média e baixa vivem, não se vê muitos banheiros públicos e é realmente normal em alguns lugares que as pessoas façam xixi na rua, principalmente à noite. Então sim, Barcelona tem cheiro de xixi. Mas eu também diria que tem cheiro de pão e de doces, porque a quantidade de padarias e pastelarias é imensa. Eu adoro o cheiro doce. 


O céu aqui é quase sempre azul. Pra mim, chove pouquíssimo. Às vezes é tão azul que irrita. É que alguns dias eu só queria um dia nublado pra ficar em casa de preguiça sem me sentir culpada por não pôr o pé pra fora. O sol nasce no mar e se põe na montanha, e no meio do caminho ele ilumina primeiro a cidade velha e depois a parte alta. Ainda que exista uma parte alta, Barcelona é plana. Plana suficiente para andar de bicicleta, caso você não tenha um skate.


Eu particularmente gosto de andar por Barcelona à noite. Me parece mais calmo. Todos os trajetos parecem mais curtos e as luzes me tiram um pouco da órbita. Se de dia a cidade é iluminada, de noite é brilhante. Tem menos gente e mais espaço pros prédios falarem. E eles são antigos, tem muita coisa pra contar. Às vezes eu canto com eles, às vezes alguém me atrapalha. 


Tudo aqui está a 30 minutos de distância. Às vezes são 30 minutos em ônibus, às vezes em metro, às vezes em bici e outras caminhando. Eu particularmente acho isso incrível. Se estiver com pressa, corra um metro, mas se tiver mais tempo, siga a pé. Evite o transbordo em passeig de gràcia e pare pra tomar um café. Quase todo café é também restaurante, e todo restaurante é também um bar. O que muda é a hora do dia que você vai freqüentar o estabelecimento, ainda que pros espanhóis seja normal uma caña às 10h. 


Uma terraza tem mesas nas ruas. No verão são um sonho e no inverno um pesadelo. Uma caña é uma cerveja de barril, e um vermute tinto é a melhor pedida pros dias frios. A ensaladilla rusa é incrível e pão com tomate é essencial. O povo gosta de ocupar as ruas, as mesas, os espaços e as esquinas. Alguns espaços são ocupados por pessoas específicas, e a polícia se preocupa mais com morador de rua do que com quem rouba celular. A polícia aqui também é racista e protege facista. Para facista dizemos facha. 


A Espanha é hostil pra imigrantes. É difícil conseguir papéis pra se regularizar. É um país extremamente racista. As oportunidades de emprego não são muitas, e pra gente, são quase sempre precarizadas. A extranjería é lenta (pra ser sutil) e a política violenta. Ainda assim, a gente escolhe ficar. Tem aqueles que escolhem sem ter escolha, que saem dos seus países por necessidade. Trabalham aqui ganhando pouco e ainda sustentam uma família pra lá do oceano. 


Nas ruas ainda não sei se tem mais turistas ou pombas, mas os turistas sujam mais a cidade do que as pombas. Os espanhóis não perdem na porquera, realmente não sabem jogar bituca de cigarro no lixo. A cidade tem praias e é fácil chegar nelas, o transporte público é verdadeiramente bom. Bom mesmo. Esperar mais de 10 minutos por um busão é um absurdo, e você rapidamente se acostuma a reclamar dessa demora. Infelizmente no verão as praias também ficam sujas. 


É uma cidade de passagem. Muita gente vem e muita gente vai embora. Eu mesma já conheci e já me despedi de umas quantas. Mas a cidade segue aqui. A rambla segue infernal nos sábados, e o passeig marítimo segue lindo no atardecer (entardecer?). As pessoas seguem se vestindo peculiarmente e Gràcia segue charmosa. Tudo igual e tudo sempre diferente. Com vida própria e vida acumulada. 


Essa Barcelona é a Barcelona que meus olhos vêem. Ou uma parte disso. Ocultei e esqueci, provavelmente, várias coisas. Outros corpos vivem uma cidade diferente. Eu tendo a valorizar minha realidade aqui quando escrevo, mas é inegável que a cidade é linda. Ainda que odeie ser imigrante, eu gosto muito de Barcelona, e não vou comparar ela com nenhum outro lugar. É uma cidade bem única. Me inspira e inspira muita gente. Tem um ar diferente e uma mescla de um tanto de coisa.


É que acho que Barcelona tem isso: de tão original, deixa que quem a habite possa se soltar também. Ela sabe que não vai perder o charme, nem a potência. Soma dos seus moradores o que de rico trazem, e quando chora com a gente, numa chuva muito fina e rara, parece que meu mundo se restabelece. Bem-vinde a Barcelona, seja ou não para ficar. 


2 Comments


Guest
Feb 09, 2024

a cidade mais personagem que existe. não se contenta em ser paisagem, plano de fundo: exige o protagonismo. ela é quem decide onde a gente vai, como, a que horas. suavemente nos conduz, seduz a gente a ficar, mesmo quando tem que ir. tudo isso e mais um tanto. e tanto.

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Marina Soncini
Marina Soncini
Feb 10, 2024
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É tao isso, e tanto mais!

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© 2021 por Marina D. Soncini.

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