A velhice dos nossos pais
- Marina Soncini
- 26 de fev. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 2 de mar. de 2024
Recentemente meu pai veio me visitar. Passou 40 e poucos dias aqui (tempo que foi aumentado por circunstâncias excepcionais). Nesse meio (longo) tempo, passamos dias quase sem fazer nada e dias turistando por cidades novas. Fizemos duas viagens juntes e compartilhamos minha casita com seus 40m2. Fazia mais ou menos um ano que não via meu pai, e tem uma constante nessa coisa de morar longe que tem me pegado bastante: as mudanças ficam muito aparentes.
Assim como as crianças parecem crescer horrores quando você fica 2 meses sem ver elas, o mesmo acontece com os mais velhos, só que ao contrário. Ao mesmo tempo que as crianças ganham um milhão de novas habilidades, meu pai e meus avós (e os seus também, talvez) perdem cada vez mais possibilidades. O inevitável se faz presente e é impossível não reparar o óbvio: o tempo passa.
Esse tempo que, ao mesmo tempo que marcou nossa independência como adultes, marca também a chegada de novas dependências, e da realidade que os mais velhos não vão conseguir nos acompanhar do mesmo jeito pra sempre. E digo isso no sentido cotidiano mesmo. Nos acompanhar até um parque em bicicleta, numa caminhada mais longa ou numa viagem mais puxada.
E é nessas mudanças graduais (mas ao mesmo tempo tão gritantes) que os papéis vão se invertendo. Nessa que foi nossa primeira viagem juntes, meu pai já não era o responsável principal. As reservas estavam todas no meu nome e constantemente ele me lembrava que já é um señor de 60 anos. Claro que eu sei disso. Mas talvez só agora, enfrentando a realidade a cada 10 meses, que eu esteja começando a entender para onde vão as mudanças.
O ritmo já é outro, ainda que ele esteja ótimo. Algumas coisas ele já demora a assimilar e outras exigem um tanto mais de esforço. Assim como a Brisa vem ganhando autonomia, meu pai vem perdendo (ele ainda tem autonomia pra quase tudo tá, mas vocês entenderam). E com essas perdas vão se desfazendo várias expectativas de momentos, aventuras e roubadas que eu pensei que poderia ainda compartilhar com ele. É uma sensação de perda precoce, quase um abandono repentino.
De heróis a pais, de pais a seres humanos, de seres humanos a adultos quase iguais que nós, e de iguais para idosos. E já não é mais ele que tem que se adaptar a mim, como quando eu era criança. Sou eu que tenho que entender como esticar meu olhar pra ele - e minha paciência também, muitas vezes. Talvez eu tenha que começar a repetir 2, 3 vezes a mesma informação, e passar a dirigir mais do que ficar no banco do carona.
E eu fico pensando, claro que é irritante ter que repetir tudo. Mas deve ser muito mais frustrante ter que ouvir reclamação de filha só por estar ficando mais velho. Pois convenhamos, ele não tem culpa. E que bênção que ele está envelhecendo! Queria eu que minha mãe também estivesse. E cá entre nós, se a passagem do tempo vem deixando meu pai mais cansado, ao mesmo tempo tem dado pra ele uma certa calmaria, como pra ver séries de comédia romântica comigo (ninguém conta pra ele que eu contei isso aqui).
De fato, as aventuras a partir de agora, serão outras. E é possível que muita gente não consiga viver essa transformação de forma tranquila, por N razões. Ou que não sinta esse pesar que eu sinto; não é todo mundo que tem boas relações com os progenitores ou criadores. Mas de uma forma ou de outra, pros que ainda convivem com os seus, a velhice se aproxima e, se isso te dói de alguma maneira, a gente pode sentar junto pra conversar (ou chorar).
Mas já vou avisando que, secas as lágrimas que a gente já quer chorar por antecedência, a gente vai começar a olhar com carinho pro caminho deles. Porque pode ser que aquele pai, mãe, avô ou avó que você conheceu e idolatrou realmente não exista mais, mas isso pode não ser de todo ruim. Tem um novo parente, com mais histórias, mais vivências e (espero) com o mesmo amor de sempre aguardando pra ser conhecido. Ou reconhecido. Torço pra que a gente possa dar uma chance pra eles.
É bem bonita tua escrita, faça mais, se assim sentir, digo por que também gosto de escrever bastante, e em geral guardar para mim, ainda sinto dessa forma, mas é bem bonito ler palavras que tocam esses lugares sensíveis e bonitos.
Como li em algum lugar que vou citar, mas não lembro e/ou achei a referência.
”É uma forma de ver o mundo, mas, mais do que isso, é uma forma de atravessá-lo.”
att, André.